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O tombamento e a mineração

  • Foto do escritor: Frederico Aburachid
    Frederico Aburachid
  • 24 de jan. de 2016
  • 4 min de leitura

Os limites dos tombamentos de bens sujeitos a exploração mineral têm motivado acirradas discussões. Na lição de Gasparini, o tombamento “pode ser definido como sendo a submissão de certo bem, público ou particular, a um regime especial de uso, gozo, disposição ou destruição em razão de seu valor histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico.”[1]

Dispõe a Constituição de 1988, art. 23, inciso III, que compete à União, aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios“proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.”

A limitação imposta pelo ato administrativo de “tombar” bens (móveis ou imóveis) ainda é vista por muitos como verdadeira violação ao direito de propriedade. Isto porque proporciona inequívocas restrições às liberdades de uso, gozo, fruição e até mesmo disposição dos bens atingidos, considerando, nesta última hipótese, que deve ser assegurado o direito de preferência às entidades políticas (art. 22 do Decreto-Lei nº 25/1937).

Noutra vertente, a coletividade encontra na proteção imposta pelo tombamento a segurança de continuidade de sua memória e o alcance da função social da propriedade em sua concepção materialmente democrática.

O difícil quadro de conflitos entre a individualidade afetada em seus bens e a satisfação do interesse coletivo é ainda agravado pela natureza fundamental de direitos contrapostos. De um lado, coloca-se o direito à propriedade, à livre iniciativa e ao desenvolvimento econômico. Do lado oposto, o direito à cultura, à preservação e valorização das manifestações culturais, dentre outros. Como sacrificar o interesse individual em favor do coletivo sem a necessária reparação?

Depois de longos anos, os conflitos têm sido harmonicamente solucionados pela superação dos conceitos (ou atributos) de imutabilidade ou intocabilidade dos bens tombados. A concepção retrógada de preservação integral não encontra mais amparo na sociedade moderna, cujos avanços tecnológicos não nos permitem dizer que construir, reformar, intervir, extrair ou preservar sejam conceitos incompatíveis.

Na verdade, a experiência ensina que, em muitos casos, a preservação tolera – e até mesmo exige – medidas interventivas, tais como a extração de recursos minerais, a edificação de prédios anexos, usos alternativos e outras modificações sobre bens imóveis e móveis que lhes dêem maior estabilidade física, despertem o interesse econômico na sua conservação e realcem a visibilidade de seus valores imateriais, tendo como conseqüência a certeza de sua perpetuidade no tempo.

A compartilhar desse entendimento, Administração Pública tem adotado postura mais flexível, reduzindo a zona de atrito entre os direitos em tela, através de um juízo de ponderação e razoabilidade. Alerte-se que tal postura não é resultado apenas do amadurecimento doutrinário ou da mudança de agir dos órgãos do Executivo. A jurisprudência brasileira tem defendido estreitos limites aos tombamentos, definindo-os, por vezes, como desapropriações indiretas quando alcançam a integralidade do uso e gozo dos bens, ou assegurando o direito à indenização, nos casos de esvaziamento do valor econômico da propriedade. [2]

Nos casos de imóveis urbanos, como casarões etc, aos proprietários são assegurados instrumentos de compensação, como a transferência do direito de construir, previsto na Lei Federal nº 10.257/01, isenções fiscais, assessoria em projetos de restauro, financiamentos a custos baixos ou não-reembolsáveis para a restauração, etc. Por outro lado, ao se tratar de bens com valores paisagísticos, ecológicos e culturais, cujos tombamentos afetam atividades minerárias, a questão toma maior vulto. O debate direciona-se inclusive para a sua inadmissibilidade.

Válido lembrar que legislação especial, posterior ao Decreto-Lei 25/1937 (Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional), elenca diversos outros instrumentos específicos para conciliar o exercício sustentável da atividade minerária e o controle de suas intervenções em bens com relevante valor ambiental. Cite-se, por exemplo, a Lei Federal nº 9985/00 (Lei do SNUC) e as diretrizes especiais das unidades de conservação.

Não se trata apenas do interesse econômico diretamente envolvido, mas de seus reflexos sociais e, principalmente, por afetar bens da União, quais sejam os recursos minerais (CR/88, art. 20, inc. IX). Note-se, ainda, que a atividade mineraria é reconhecida como de utilidade pública e interesse social, nos termos da Resolução CONAMA nº 369. A sua relevância para o desenvolvimento social encontra fundamento nas medidas compensatórias, tributos e royalties pagos em favor da coletividade.

A despeito de todas essas questões, é preciso entender que o tombamento desvia-se de sua finalidade quando impede/inviabiliza integralmente o exercício do direito de propriedade, assumindo a natureza de desapropriação.

Desse modo, ressalvadas as especificidades de cada caso concreto, os tombamentos, estaduais ou municipais, que impeçam integralmente, repita-se, a exploração de recursos minerais da União, deverão ser afastados. Trata-se de verdadeira ofensa ao pacto federativo, além de encontrar óbice no Decreto-Lei nº 3.365/41. Sempre importante ressaltar que existem instrumentos específicos de proteção, previstos em legislação posterior ao Decreto-Lei nº 25/1947, que permitem conciliar o exercício dessa atividade econômica e o interesse ambiental e paisagístico, tornando o gravame menos oneroso para o particular e para a própria coletividade.

É certo que o debate sobre o “tombamento” de bens com relevância para a mineração não está próximo do fim. Impõe-se, com urgência, a revisão do arcabouço legal aplicável, eliminando suas aparentes antinomias e regulamentando de forma clara os limites do instituto.

Enquanto isso não ocorrer, apesar das divergências, Poder Público e empreendedores deverão analisar, diante de cada caso concreto, as diretrizes do ato administrativo, as restrições e intervenções possíveis, afastando sua aplicação incorreta e eventuais abusos.

Aburachid, Frederico José Gervasio.  O tombamento e a mineração. Jornal Estado de Minas, Belo Horizonte, 2010.

[1] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 12ª Edição. Editora Saraiva: São Paulo, 2007. p. 751.

[2] A propósito, v. TJMG. EINF 1.0000.00.238448-5/0021; Belo Horizonte; Rel. Des. Manuel Saramago; Julg. 06/11/2008; DJEMG 10/02/2009

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