Lei 14.119/21: nova política nacional de pagamentos por serviços ambientais e as suas oportunidades
- Frederico Aburachid
- 19 de jan. de 2021
- 5 min de leitura

Em meio ao caos provocado pela pandemia da COVID-19, dentre outros tristes e preocupantes acontecimentos, surge a boa notícia com a promulgação da Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA).
A nova lei define conceitos, objetivos, diretrizes, ações e critérios para a implantação da Política, institui o Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (CNPSA) e o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PFPSA). Dispõe ainda sobre os respectivos contratos e altera as Leis nos 8.212, de 24 de julho de 1991, 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para adequá-las ao disposto na PNPSA.
Nos termos da lei, serviços ambientais são as atividades individuais ou coletivas que favoreçam a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos, os quais, por sua vez, são os benefícios relevantes para a sociedade, gerados pelos ecossistemas, em termos de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais.
A lei apresenta 4 tipos de serviços ecossistêmicos, assim descritos:
a) serviços de provisão: os que fornecem bens ou produtos ambientais utilizados pelo ser humano para consumo ou comercialização, tais como água, alimentos, madeira, fibras e extratos, entre outros;
b) serviços de suporte: os que mantêm a perenidade da vida na Terra, tais como a ciclagem de nutrientes, a decomposição de resíduos, a produção, a manutenção ou a renovação da fertilidade do solo, a polinização, a dispersão de sementes, o controle de populações de potenciais pragas e de vetores potenciais de doenças humanas, a proteção contra a radiação solar ultravioleta e a manutenção da biodiversidade e do patrimônio genético;
c) serviços de regulação: os que concorrem para a manutenção da estabilidade dos processos ecossistêmicos, tais como o sequestro de carbono, a purificação do ar, a moderação de eventos climáticos extremos, a manutenção do equilíbrio do ciclo hidrológico, a minimização de enchentes e secas e o controle dos processos críticos de erosão e de deslizamento de encostas; e
d) serviços culturais: os que constituem benefícios não materiais providos pelos ecossistemas, por meio da recreação, do turismo, da identidade cultural, de experiências espirituais e estéticas e do desenvolvimento intelectual, entre outros.
O pagamento por tais serviços deverá ocorrer por meio de transação de natureza voluntária, mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor desses serviços, recursos financeiros ou outra forma de remuneração, nas condições acertadas, respeitadas as disposições legais e regulamentares.
Toda pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, ou grupo familiar ou comunitário que, preenchidos os critérios de elegibilidade, mantém, recupera ou melhora as condições ambientais dos ecossistemas, poderão se enquadrar como provedores desses serviços.
Dentre os objetivos da nova política, visa orientar, em todo o território nacional, a atuação do poder público, das organizações da sociedade civil e dos agentes privados em relação às transações a que se refere, bem como estimular a conservação dos ecossistemas, dos recursos hídricos, do solo, da biodiversidade, do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado.
Trata-se, sem dúvida, de uma excelente iniciativa do governo federal. Mais que simplesmente exigir o cumprimento das obrigações legais e regulamentares, os Poder Público poderá convidar a iniciativa privada, associações ou mesmo pessoas físicas isoladas a colaborarem com o meio ambiente mediante contraprestação do Estado. Além de atenderem aos rigores legais, portanto, os provedores de serviços passarão a ser remunerados, justamente pela superação das exigências normativas, melhorando os ganhos ambientais ao longo do tempo para todos.
Não é demais lembrar os compromissos internacionalmente assumidos pelo Brasil para a redução de emissão de gases de efeito estufa e sua cooperação para reduzir os efeitos das mudanças climáticas. A busca pela redução e futura neutralização da emissão de carbono há de ser estimulada e, nesse sentido, a nova política soa como música para promover a cooperação da iniciativa privada. Surge daí uma grande oportunidade para o desenvolvimento de novos projetos que visem a redução de emissões, sequestro de carbono, purificação do ar, moderação de eventos climáticos extremos, dentre outros. Esses serviços ganharão ainda maior relevância, portanto, diante de sua remuneração pelo Poder Público.
Não fosse o bastante, a nova política pretende reparar a injusta ideia de locupletamento coletivo em detrimento do individual. O provedor de serviços que propicie efetivamente ganhos ambientais, poderá submetê-los ao programa de pagamentos, na forma da lei e regulamento. Desse modo, algo que atualmente não é remunerado, sendo ignorado pela coletividade e suportado exclusivamente pelo particular, poderá ser pactuado junto ao Poder Público. O que é meramente voluntário, passará a ter também o caráter de obrigação contratual mediante contraprestação estatal.
Um ponto que poderá causar polêmica refere-se às Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal e outras sob limitação administrativa nos termos da legislação ambiental.
A nova lei admite a possibilidade de serem as referidas áreas elegíveis para pagamentos por serviços ambientais com uso de recursos públicos, conforme regulamento, com preferência para aquelas localizadas em bacias hidrográficas, consideradas críticas para o abastecimento público de água, assim definidas pelo órgão competente, ou em áreas prioritárias para conservação da diversidade biológica em processo de desertificação ou avançada fragmentação.
É certo que as limitações administrativas conceitualmente não são passíveis de indenização, haja vista a sua natureza jurídica e o cumprimento da função social da propriedade. Não obstante, é perfeitamente admissível que – a depender das características das áreas – o Poder Público estimule a implementação de serviços no local, não apenas visando a melhoria dos padrões e parâmetros ambientais, mas para a ampliação dos benefícios e efeitos no ecossistema. Em tais casos, à toda evidência, não se estará indenizando o proprietário pela restrição administrativa, mas remunerando-o pelos serviços voluntariamente assumidos em favor da coletividade.
A lei nº 14.119/21 surge em um momento importante no contexto brasileiro e internacional, já que tem sido bastante questionada a atuação do governo federal na tutela do meio ambiente equilibrado. Evidencia-se a preocupação da União em estimular o cumprimento dos princípios ambientais, ultrapassando os modelos tradicionais de comando e controle, como - por exemplo - a mera tipificação de infrações e sanções. Pretende-se, através dessa lei e de seus instrumentos financeiros, convencer novos atores a cooperarem com a preservação e melhoria dos recursos naturais, tornando possível um diálogo coletivo, construtivo e contínuo.
Aguarda-se, agora, pela edição do Decreto regulamentar, que detalhará as condições de elegibilidade dos serviços, forma de inscrição nos programas de pagamentos, regras contratuais etc.
Será de suma importância para o sucesso da nova política e do programa de pagamentos, que se edite um regulamento claro, objetivo e que dispense amarras burocráticas desnecessárias para a aprovação de projetos e desenvolvimento dos serviços. O ideal é que se faça, sobretudo, um controle eficiente de resultados, permitindo-se o controle social com total transparência e a fiscalização pelo Poder Público, notadamente sobre os efeitos ambientais obtidos e a sua contraprestação estatal.
ABURACHID, Frederico José Gervasio. Lei 14.119/21: a nova política nacional de pagamentos por serviços ambientais e as suas oportunidades. Belo Horizonte, 2021.
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