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FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA e PROTEÇÃO AMBIENTAL

  • Foto do escritor: Frederico Aburachid
    Frederico Aburachid
  • 17 de dez. de 2017
  • 5 min de leitura
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Não raras vezes, deparamo-nos com situações de conflito entre desenvolvimento econômico e o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Em determinados casos, evidencia-se a clara mitigação da preservação ambiental em favor de intervenções econômicas através do exercício de atividades potencialmente poluidoras pela iniciativa privada ou mesmo pela execução de empreendimentos públicos.

O juízo de ponderação a ser exercido pelo órgãos dotados de função normativa e jurisdicional constitui tarefa hercúlea. É impossível agradar a todos os atores envolvidos. Sempre haverá aqueles que entoem os princípios da precaução e prevenção ambiental como se fosse possível a mera intocabilidade dos recursos naturais. Nessa mesma linha, haverá os defensores do direito pleno de propriedade, tal como esculpido nos longínquos tempos da Revolução Francesa.

Respeitada a pluralidade de opiniões, tanto o direito de propriedade, quanto a intocabilidade dos recursos naturais compreendem conceitos abertos, que felizmente sofreram sua evolução ao longo dos anos. Há muito foi superada a ideia de um direito de propriedade absoluto. Consta inclusive expressamente da Constituição da República de 1988 que aludido direito está condicionado ao cumprimento de sua função social.

Assim também deve ser interpretado o direito ao exercício de uma atividade econômica. Além de seu aspecto individual e subjetivo, depreende-se a importância da atividade empresarial no contexto social, inclusive, mas não se limitando, pela sua capacidade de geração de empregos, recolhimento de tributos e distribuição de renda. Válido lembrar que, por essas e outras razões, o direito socorre atividades empresariais em inúmeros casos, oportunizando sua contínua operação.

Dentre as normas que consagram a função social das empresas e a busca pela sua preservação, pode-se exemplificar a lei de falências e recuperação judicial, os acordos de leniência com a Administração Pública, os programas de recuperação de créditos tributários e, ainda, na seara do meio ambiente, os termos de ajustamento de conduta e as licenças de operação corretiva, dentre outras. A propósito, a lição de Manoel Pereira Calças:

“Na medida em que a empresa tem relevante função social, já que gera riqueza econômica, cria empregos e rendas e, desta forma, contribui para o crescimento e desenvolvimento socioeconômico do País, deve ser preservada sempre que for possível. O princípio da preservação da empresa que, há muito tempo é aplicado pela jurisprudência de nossos tribunais, tem fundamento constitucional, haja vista que nossa Constituição Federal, ao regular a ordem econômica, impõe a observância dos postulados da função social da propriedade (art. 170, III), vale dizer, dos meios de produção ou em outras palavras: função social da empresa. O mesmo dispositivo constitucional estabelece o princípio da busca pelo pleno emprego (inciso VIII), o que só poderá ser atingido se as empresas forem preservadas”.[1]

Da mesma forma, o direito ao meio ambiente equilibrado tolera intervenções e sua modulação, afastando a ideia de um conservacionismo passional e simplista. Há de ser ponderado à luz do princípio do desenvolvimento sustentável, admitindo-se a exploração dos recursos naturais pelas gerações presentes e futuras, na medida do possível e sem causar a sua escassez.

A questão é complexa. Quando se fala em intervenções ambientais, não se está apenas fazendo alusão a extração mineral e/ou vegetal. Há inúmeras hipóteses de intervenção, tais como a emissão de ruídos e efluentes atmosféricos, ocupação de áreas de preservação ambiental para habitações etc.

Os órgãos com função normativa e jurisdicional devem adotar critérios baseados na razoabilidade e proporcionalidade quando enfrentarem casos de conflito. Humberto Ávila defende as seguintes indagações quando do exame da proporcionalidade: “O grau de importância da promoção do fim justifica o grau de restrição causada aos direitos fundamentais? Ou, de outro modo: As vantagens causadas pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens causadas pela adoção do meio?”[2]

Nesse mesmo sentido, pode-se citar Klaus Bosselman, que defende um juízo de ponderação, pautado na sustentabilidade, quando se estiver diante de uma colisão entre a proteção dos direitos humanos e a proteção do meio ambiente:

Os paradigmas de racionalidade aproximam sistemas de valores. Os sistemas de valores se referem à importância relativa atribuída a valores concorrentes. Se, por exemplo, o bem-estar humano for considerado superior ao bem-estar ambiental, as colisões serão resolvidas de maneira que favoreça as necessidades humanas (em todo seu espectro) em detrimento das necessidades ambientais. Em consequência, o grau em que a superioridade presumida é usada determina o grau de proteção ambiental. E se essa superioridade se manifesta em direitos irrestritos à propriedade, ao crescimento econômico e ao utilitarismo sem medidas, então está claro que o meio ambiente sofrerá.[3]

Em recente julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no Agravo de Instrumento nº 1.0148.17.003250-9/001, verificou-se a preocupação do órgão jurisdicional em assegurar a eficácia de normas ambientais administrativas, editadas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente, mas também de não interromper a operação de atividades de determinada empresa, observado o grau de impacto ambiental negativo que teria sido causado.

Válido transcrever o seguinte fragmento do Acórdão, o qual aponta o caso de poluição sonora, mas flexibiliza os efeitos normativos para que a empresa possa continuar em funcionamento até a sua regularização:

“…tendo em vista que as medições são superiores aos níveis máximos previstos na NBR 10.151/00 para áreas de sítios e fazendas, quais sejam, 40 decibéis para o período diurno e 35 para o período noturno, a agravada há de ser compelida a curvar-se à legislação federal de combate à poluição sonora, uma vez que a incolumidade do meio ambiente, informada pelos princípios da precaução e da prevenção, não pode ser comprometida por interesses particulares. Sucede que, por outro lado, em atenção ao princípio da preservação da empresa, é preciso bastante cautela para que a ordem judicial não se revista de temeridade, a ponto de, culminando na paralisação imediata da exploração da atividade econômica, colocar em risco a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.[4]

O direito ao meio ambiente equilibrado é de estatura fundamental, estando ao lado de outros direitos também de igual importância para a proteção da dignidade do ser humano. Dentre esses direitos e valores tutelados pela ordem constitucional, encontra-se a função social e preservação das empresas.

Embora não se possa defender uma hierarquia entre direitos fundamentais, há restrições que não violam seus respectivos núcleos de proteção. Em casos de conflito, devem ser editadas restrições mediante um criterioso juízo de ponderação, pautado na racionalidade, proporcionalidade e sustentabilidade.

O Brasil carece de maior racionalidade no exercício de sua função normativa, o que certamente afastaria conflitos na seara do meio ambiente e permitiria um nível maior de concretização do desenvolvimento sustentável.

ABURACHID, Frederico José Gervasio. Função social da empresa e proteção ambiental. Belo Horizonte, 2017.

[1] CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. A nova lei de recuperação de empresas e falências: Repercussão no direito do trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 73. Nº 4. Out/dez 2007, p. 40

[2] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2015. P. 2017.

[3] BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução Phillip Gil França. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. P. 144.

[4]Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Agravo de Instrumento Cível nº 1.0148.17.003250-9/001, Rel. Des. Bitencourt Marcondes, 1ª Câmara Cível, j. em 28/11/0017, p. em 7/12/2017.

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