A prescrição civil por danos ambientais
- Frederico Aburachid
- 2 de nov. de 2017
- 4 min de leitura

A prescrição no direito ambiental é matéria de ampla discussão. Não são poucos aqueles que defendem a imprescritibilidade, seja na seara cível, penal ou administrativa.
Em apertada síntese, define-se prescrição como a perda da proteção jurídica, decorrente da inércia do titular de um direito, após transcorrido determinado lapso temporal. Perde-se o direito de ação.
Ao mesmo tempo que a prescrição traduz segurança para o sujeito ativo de uma determinada ação, também visa assegurar a ampla defesa e o contraditório do sujeito passivo. Permite-se equilíbrio e harmonia social através do conhecimento – por todos – dos limites temporais para o exercício de um direito.
Os defensores da imprescritibilidade da reparação civil por danos ambientais, baseiam-se na tese de que, quando em litígio direitos fundamentais, mormente afetos a interesses difusos, não se deve admitir um lapso temporal prefixado. O bem ambiental é indisponível. Não é apropriável. Ultrapassa a esfera individual e não possui uma titularidade definida. Logo, a reparação por danos ambientais não estaria sujeita a prescrição civil.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou que a ação civil pública que busca a tutela de interesses transindividuais, tais como meio ambiente e ocupação urbana, não está sujeita a prazo de prescrição. (AgRg no AREsp 13188/ES AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2011/0122636-4)
Aludidas conclusões não estão amparadas em norma legal expressa. Resultam de mero exercício hermenêutico dos princípios constitucionais. A toda evidência, o que se pretende é assegurar a máxima proteção do meio ambiente e dos interesses difusos, transindividuais e intergeracionais.
Não obstante a interpretação adotada pelos Tribunais pátrios esteja – majoritariamente – aliada a tese da imprescritibilidade, temos guardado posicionamento diverso e com reservas.
Leis de outros países adotam, por exemplo, preceitos claros e definem prazos certos para o exercício do direito de ação indenizatória, mesmo quando se tratar do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. No caso da Alemanha, por exemplo, a ação indenizatória por danos ambientais prescreve em 30(trinta) anos. Tal fato demonstra que a polêmica sobre o tema não se restringe ao Brasil.
É preciso ter a compreensão de que a imprescritibilidade afigura-se como uma exceção em qualquer ordenamento jurídico. A sua aplicação não pode ser resultado de mera construção hermenêutica. É indispensável que conste de lei expressa, de estatura constitucional, anterior ao próprio fato indenizável, dando aos sujeitos passivos e ativos a oportunidade de conhecerem as regras materiais e processuais aplicáveis às suas condutas.
Conforme consagrado pela doutrina e pelos Tribunais, a melhor hermenêutica constitucional rejeita qualquer interpretação restritiva às garantias individuais (dentre as quais se insere a prescrição) com viés extensivo ou ampliativo.
Trata-se de aplicar a velha máxima de que não cabe ao aplicador do direito promover interpretações restritivas a direitos, quando a própria Constituição ou mesmo a legislação infraconstitucional não o fizeram. A hipótese de eternizar o direito de ação indenizatória traduz inequívoca mitigação a direitos individuais caros ao Estado Democrático, dentre os quais a segurança jurídica, o contraditório e a ampla defesa.
No caso do direito ambiental, válido inclusive distinguir a tríplice responsabilidade (civil, penal e administrativa) e o regime jurídico aplicável a cada caso.
A imprescritibilidade adotada majoritariamente pelos Tribunais brasileiros restringe-se a reparação civil. No caso do direito penal ambiental ou de sanções administrativas, vige a regra da prescrição.
É pacífico, por exemplo, que as multas decorrentes de infrações administrativas ambientais prescrevem em 5(cinco) anos, contados do término do processo administrativo. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça decidiu desse modo em AgRg no REsp 1363437/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 20/11/2013; REsp 1275014/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/04/2013.
Nos casos de crimes ambientais, por sua vez, aplicam-se as regras do Direito Penal, inclusive no tocante aos crimes de efeitos permanentes.
Com respeito àqueles que entendem de modo diverso, o regime jurídico ambiental brasileiro não comporta a tese geral da imprescritibilidade, justamente pela ausência de norma expressa que a defina.
A despeito de se tratar de direitos fundamentais em conflito, de conteúdo intergeracional e transindividual, não se pode mitigar direitos individuais por mero esforço interpretativo. A estrutura de ações, remédios processuais e a própria legitimidade de diversos atores no Brasil permitem que se busque a plena reparação ambiental, sem prejuízo dos interesses difusos.
Por outro lado, não há no ordenamento jurídico pátrio uma lei específica que defina o lapso temporal específico para ações civis de indenização por danos ambientais. Desse modo, o mais adequado seria estabelecer o prazo de 5(cinco) anos, contados da data do fato jurídico ilícito, com base na lei de ação popular e ação civil pública, improbidade administrativa e no próprio código de defesa do consumidor. Aludidas leis constituem o denominado “microssistema de ações coletivas”. Em última análise, não sendo esse o entendimento, aplicar-se-ia o prazo geral do Código Civil para a ações de indenização.
Não se pode olvidar, por último, as hipóteses de danos ambientais concretos e de efeitos permanentes. Tal como ocorre no direito penal, aludidos casos não estariam sujeitos ao termo inicial do prazo prescricional até que cessada a ação ou os efeitos concretos e permanentes da conduta ilícita.
Como dito no início desse artigo, o tema é polêmico. Exige melhor construção doutrinaria, jurisprudencial e legislativa. Enquanto isso não ocorrer, muitas serão as divergências, existindo campo fértil para teses e para a insegurança jurídica.
ABURACHID, Frederico José Gervasio. Prescrição Civil por danos ambientais. Belo Horizonte, 2017.
Imagem: Pixabay
Comments